Há 50 anos, Fluminense conquistava o Maior Campeonato Brasileiro de Todos os Tempos

Há cerca de 50 anos, o Fluminense Football Club celebrava o primeiro título brasileiro de sua história. O Tricolor das Laranjeiras conquistou, em 1970, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Robertão), também conhecido como Taça de Prata. Último dos predecessores do Brasileirão.

O ano era 1970. A moda hippie coloria as ruas do Rio de Janeiro. Mulheres usavam faixas no cabelo e longas saias indianas. Enquanto que homens cabeludos vestiam camisas estampadas e com cores vibrantes. Um contraste em relação a política do Brasil. Com o General Emílio Garrastazu Médici no poder, o país vivia o auge da repressão e da censura na Ditadura Civil-Militar desde o Golpe de 1964 e a instauração do AI (Ato Institucional) 5, em 1968.

Até àquela altura, o Flu, primeiro campeão carioca em 1906, já havia se consolidado como maior vencedor do Estadual, com 19 títulos. Mas, para o Tricolor, ainda faltava conquistar o Brasil. Feito que, até então apenas o Botafogo de Gérson ‘Canhotinha de Ouro’ e Zagallo, entre os cariocas, havia conseguido no ano de 1968. Uma das maiores autoridades quando se trata de história do Fluminense, o jornalista e escritor Dhaniel Cohen explica como se formou o elenco para o Robertão de 1970.

“A base do elenco foi o time campeão carioca em 1969, comandando à época pelo técnico Telê Santana, que formou o grupo. Todos os titulares campeões estaduais em junho de 1969 formaram o time-base campeão nacional no ano seguinte. Félix, Oliveira, Galhardo, Assis, Marco Antônio, Denilson, Samarone, Flávio e Lula eram a base das duas equipes campeãs”, explica o responsável por gerir a Flu-Memória.

Em pé: Oliveira, Félix, Denilson, Galhardo, Assis e Marco Antônio. Agachados: Cafuringa, Didi, Mickey, Samarone e Lula. Mickey acabou responsável por substituir Flavio, lesionado, na reta final do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Foto: Reprodução/Facebook do Fluminense Football Club)

Com estes jogadores, o Tricolor entraria na disputa justamente daquele que ficou conhecido como “O Maior Campeonato Brasileiro de Todos Os Tempos”.

Relação entre a Copa de 1970 e o Robertão

Titular absoluto na Copa, Félix teve destaque sobretudo na vitória por 1 a 0 sobre a atual campeã Inglaterra, pela segunda rodada da fase de grupos. Considerado o confronto mais difícil da Seleção Brasileira no Mundial do México. Na mesma partida que o inglês Gordon Banks fez a “defesa do século” na cabeça do Rei Pelé, o arqueiro tricolor impediu uma cabeçada à queima-roupa de Francis Henry Lee que poderia mudar a história do Tricampeonato.

Com apenas 1,75m de altura, Félix era considerado “baixinho” para a posição. Mas o arqueiro, ídolo do Fluminense e da Seleção Brasileira compensava com reflexos ágeis (Foto: Reprodução/Facebook do Fluminense Football Club)

Assim como Félix, Marco Antônio também estava cotado para começar a Copa como titular. Entretanto, uma lesão tirou o lateral das primeiras partidas. E, mesmo com o jogador do Flu recuperado, o ‘Capita’, Carlos Alberto Torres, teria convencido o técnico Mario Jorge Lobo Zagallo a manter Everaldo para dar mais sustentação ofensiva. Por isso, o xodó de Zagallo atuou apenas na vitória por 4 a 2 sobre a Seleção Peruana, treinada por Didi, pelas quartas-de-final. O jovem, aliás, contribuiu com uma assistência para o primeiro gol de Tostão na partida.

“Apesar de ter os tricampeões mundiais, Félix e Marco Antônio, em seu elenco, o Fluminense chegou desacreditado. Não apenas por terem outros times mais fortes e mais badalados no Brasileiro de 1970, mas também pelo recente vice estadual, competição conquistada pelo Vasco. O bicampeonato carioca não foi atingido por um ponto, o que causou grande frustração. Apesar disso, o grupo foi prestigiado e o entrosamento do time foi fundamental para o sucesso no campeonato”, explica Dhaniel Cohen.

Fluminense no Taça de Prata

Aos 70 anos, o tricolor e oficial da reserva da Aeronáutica, Carlos Alberto Santos, lembra com carinho da conquista de 1970.

“Na época tinha 20 e estava na arquibancada do Maracanã antigo. Era fã do Samarone, um atacante baixinho ensaboado”, disse Carlos.

Assim como Carlos, muitos outros tricolores se apegaram aquele time do Fluminense. Sobretudo, às figurinhas carimbadas.

Em 1970, 17 clubes entraram na disputa pelo título do Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Sob a batuta de Samarone no meio-campo e com os gols de Flavio Minuano, o Fluminense, de Félix e Marco Antônio, encerrou a primeira fase da Taça de Prata na segunda colocação do Grupo B, com 20 pontos em 16 partidas. Apenas um ponto atrás do líder, Cruzeiro. Em um período do qual não se têm muitos registros filmados dos jogos, o jornalista Dhaniel Cohen explica de que forma o Flu atuava.

“Era um time muito solidário, cirúrgico, sem nenhuma grande estrela, apesar de contar com vários ótimos jogadores. O perfil era cada um por si e todos pelo Fluminense. Tinha um (camisa) 9 clássico, artilheiro. No caso, o Flávio, substituído por um iluminado Mickey nos últimos quatro jogos. Era fortíssimo na defesa. Sofria poucos gols e isso fazia a diferença. Bem eficiente na marcação, muito bem protegido pelo volante Denilson, além dos zagueiros Assis e Galhardo. E atacava muito pelas pontas com Lula e Cafuringa. Samarone era o cérebro do time”, afirma Cohen

O Tricolor das Laranjeiras conquistou oito vitórias, quatro empates e quatro derrotas. Vale ressaltar que somente a partir de 1995, todas as vitórias passaram a valer 3 pontos. Foram 26 gols marcados (segundo melhor ataque da primeira fase), quase metade deles anotados por Flavio — que viria a desfalcar o Fluminense justamente na fase decisiva — e 16 gols sofridos. Além da Raposa e do Flu, o grupo reunia outras grandes equipes como, por exemplo, Internacional, Flamengo (quarto colocado), Corinthians, Santa Cruz, Athlético Paranaense, Ponte Preta e Vasco, que, assim como o América, no Grupo A, terminou a competição na lanterna. Enquanto que o outro carioca, o Botafogo, terminou em terceiro no mesmo Grupo A.

Mickey: predestinado e perseguido

Com Mickey no comando de ataque, o Fluminense entrou no quadrangular final junto com Palmeiras e Atlético-MG, respectivamente líder e vice-líder do Grupo A, além do próprio Cruzeiro. O atacante marcou os gols da vitória sobre o Palmeiras e sobre o Cruzeiro. Em todos, comemorou com o símbolo fazendo um símbolo hippie com a mão, o que lhe rendeu o apelido de “Artilheiro Paz e Amor”.

Mas, nem tudo eram flores em Laranjeiras. Com um Governo atento ao futebol, inclusive com suspeitas de intervenção na Seleção Brasileira como na demissão de João Saldanha e a convocação de Dadá Maravilha para a Copa. Assim, as inocentes comemorações fizeram com que Mickey entrasse na lista de suspeitos da Ditadura. De acordo com o próprio, o atacante chegou a ser abordado por uma pessoa não identificada na rua para perguntar se o gesto era uma provocação aos militares. A história também foi destacada pelo diretor da Flu-Memória.

“(A comemoração “paz e amor”), não era para ser do Mickey. Era um trato de todo time no quadrangular final. Quem fizesse gol comemoraria daquela maneira. Quis o destino que todos os gols fossem do Mickey e ele ficasse eternizado pelo gesto. A atitude não foi muito bem vista pela Ditadura, mas foi uma das marcas do título”, explica Cohen.
O jogo do título

“Na arquibancada do Maracanã, vibrando, tinha um movimento de artistas tricolores chamado “Jovem Flu”, com Chico Buarque, Jô Soares, Elis Regina, Nelson Motta, Gilberto Gil… Um título que marcou época para essa geração de torcedores e que tem um lugar especial em nossa história”, encerra Cohen.

No ano seguinte, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa serviu como base para a criação do Campeonato Brasileiro. Contudo, somente a partir de 2012, com a unificação dos títulos anteriores a 1971 por parte da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que a conquista passou a ser celebrada oficialmente como um Brasileirão.

O Tricolor só voltaria a conquistar o Brasil novamente em 1984. Com um time formado por grandes nomes da história do clube como, por exemplo, Paulo Victor, Ricardo Gomes, Branco, Romerito, além do casal 20, Assis e Washington. Depois, os torcedores viveriam mais um jejum de 26 anos até o triunfo do Time de Guerreiros em 2010, em um ano marcante para Dario Conca,  e outro em 2012, tendo Fred como protagonista.

– Por Lucas Meireles

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